O misticismo do Douro Superior

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Todo o Douro é surpreendente e consegue cativar por, ao longo do seu percurso, nos fazer mergulhar nas profundidades de uma natureza que nos atrai pela rudeza que se ergue em seu redor. Trata-se de um percurso que viu muito suor pingar para que esse pedaço de geografia se conseguisse humanizar e dar a conhecer ao mundo o seu famoso néctar. Mas antes desses vinhedos que, do cimo desses vales, se precipitam a caminho dessas águas que, lá ao fundo, continuam a rasgar o seu percurso, já o Douro era percorrido e atravessado por populações ao longo de sucessivas gerações. E, então, tudo o que tinha para oferecer era uma natureza rude, agreste e selvagem para trabalhar.

Mas, já, então, as suas potencialidades naturais se apresentavam como uma dádiva de Deus que atraía quem as percorria. E foram muitos os que percorreram serranias, vales profundos ou tentaram dominar aquelas águas revoltas. E, desde essas eras remotas, deste pedaço de natureza parecia brotar uma dose de mistério sobre quem a ousasse percorrer ou aí se decidisse fixar.

Vencendo adversidades e todas as dificuldades que uma terra como aquela oferecia, a sua paisagem foi-se humanizando e, apesar da sua rebeldia, criando alguma cumplicidade com quem aí se fixava e trabalhava aqueles declives a cair sobre ravinas que parecem não ter fundo. A relação do homem com aquela natureza adquire outra dimensão e uma maior profundidade ao longo desse vale profundo que nos faz pensar estarmos em outro mundo. E, de facto, estamos quando atravessamos as suas vinhas, admiramos as suas escarpas, penetramos no interior do seu fraguedo, percorremos os seus vales ou mergulhamos na profundidade das águas daquele rio.

Tudo isto tem para nos dizer e muito mais para sugerir quando ousamos percorrer aquela região em parte do seu percurso ou em toda a sua extensão. Mas se em qualquer ponto do seu percurso o Douro tem a sua magia, é na parte superior que um fascínio bem próprio começa a brotar sem sabermos bem como é que nos consegue influenciar. Essa áurea de mistério começa a transparecer e, sobre nós, começa a exercer uma influência só compreensível por quem passa por essa experiência

E já passamos por ela. Primeiro, pelo que a geografia diria de baixo Corgo. É esta a designação do Douro inferior, ou melhor dizendo, do que vai até à Régua. Aí vem desaguar, na sua margem direita, o rio Corgo que acaba por delimitar dois dos três territórios do Douro. O cima Corgo compreende o território que, a partir daí, começa a subir, até dar origem ao Douro superior. Este é, de facto, o território mais surpreendente do Douro. Os seus fraguedos e as suas escarpas adquirem maior dimensão e a sua natureza selvagem causa maior impressão. Também as suas vinhas, de maior profundidade e altitudes que se perdem no ar, contrastam com outras mais chãs que percorrem aquela paisagem.

Toda esta natureza bem própria, que ostenta uma rudeza selvagem e agreste, vai subindo no Douro e mostrando toda a sua extensão, a par da obra do homem e da sua mão transformadora. E, se as vinhas são o que de mais impressionante temos pela frente, também as barragens vieram domesticar este Douro tumultuoso e permitiram-no navegar. Foi o que podemos ver em Bagauste quando, a partir da Régua, começamos a subir aquele rio profundo. Na passagem pelo Tua, a mão humana começa a fazer-se sentir para, através de uma barragem, destruir uma das paisagens naturais mais surpreendentes do mundo e que ainda é possível admirar neste Douro profundo. Depois de escarpas e de fragas que, por largos períodos, fizeram questão de nos acompanhar, foi tempo de penetrar na barragem da Valeira com um desnível de mais de quarenta metros para atravessar. E, daí em diante, fomos subindo por entre uma paisagem de austeridade com as vinhas a subir e a descer mostrando toda a sua profundidade. E, de repente, o Pocinho estava pela frente. Mais uma barragem se teve de transpor para aquele barco continuar a navegar rio acima e a mostrar as belezas do Douro superior.

Daí em diante, alguma consternação nos invadia com a imagem da desactivação da linha do Douro até Barca d’Alva. Causa alguma nostalgia ao pensar-se como foi possível um dia terem desactivado e abandonado à sua ruína um itinerário com uma beleza daquelas. Mas ele ali está à espera de, um dia, ainda vir a ser recuperado e transformado numa mais valia para a economia local e mesmo nacional. Dali em diante, o misticismo desse Douro superior fazia questão em nos acompanhar e em criar uma empatia com tudo o que se via por mais inóspito e austero que fosse. E com o calor a fazer-se sentir, nesse 27 de Junho, continuamos a subir as águas daquele Douro com uma sensação de um bem estar que a paisagem, à medida que se subia, ainda mais vinha acentuar. E, assim, subimos até Barca d’Alva com a Espanha, na margem direita, pela frente e com o Douro internacional por diante.

Essa ambiência de um misticismo invulgar com que o Douro superior nos haveria de surpreender, criou-nos a sensação de querer continuar a subir aquele Douro até atingir Miranda do Douro. Mas como as barragens do Douro internacional não foram preparadas para navegar, tivemos de nos limitar a terras de Barca d’Alva. E, do outro lado, já tínhamos território de Freixo de Espada à Cinta à vista. Foi possível ainda ver a casa onde Guerra Junqueiro esteve a viver e a compor algumas das suas odes poéticas.

Daí em diante, foi tempo de regressar e de, através de autocarro, atravessar terras do Coa e de São João da Pesqueira até se atingir o Pinhão para mais tarde vir sair à Régua.Com o rio ao fundo a deixar-se ver por entre vales profundo, os vinhedos iam-se mostrando e acenando-nos em jeito de despedida. Para trás ficou uma terra de mistério neste Douro superior que se torna mais presente a quem ouse penetrar no interior do seu ventre.

Veja aqui as magníficas imagens do Douro Superior que a nossa máquina registou e que partilhamos. Clique nas fotos para ampliar.

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